SAPUCAIA DO SUL/RS

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segunda-feira, 17 de maio de 2010

Formação: II Seminário da Cultura Afro-brasileira e Africana








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II Seminário da Cultura Afro-brasileira e Africana – 11 e 12 de maio de 2010

Educação e diversidade na rede municipal de Sapucaia do Sul

Abordar as leis 10.639 e 11.645 serve para apontarmos uma defasagem: histórica, social, epistemológica e pedagógica. Em 2003 e 2008 a necessidade de fazer presente em nossos currículos a história, a cultura, a religiosidade, a estética e o trabalho dos nossos ancestrais concretizou-se em duas leis: daí a defasagem. Transformada em atos legais, a inclusão no currículo do passado indígena (termo cunhado pelos colonizadores, que talvez pensassem estar em terras indianas) e dos negros não deve ser menosprezada por nós educadores.

A questão que colocamos é a seguinte: havia a necessidade de transformar em lei a nossa história para que não a “esquecêssemos” em nosso trabalho pedagógico? Não. Mas por que, afinal, foram as leis que nos “obrigaram” a garantir o espaço para os índios e descendentes dos africanos (berço da civilização) em nossos currículos? A resposta é ao mesmo tempo complexa e simples. Simples porque relegamos a um segundo plano os assuntos que não conhecemos, tratando de maneira quase caricatural temas relevantes - daí a necessidade de formação específica e continuada. Complexa, por outro lado, porque as ciências humanas na América Latina sofreram uma profunda influência ideológica e epistemológica do pensamento europeu. A esse processo denominamos eurocentrismo: o exercício epistemológico de perceber a Europa enquanto centro, referência precípua da explicação e entendimento sobre a realidade.

Deriva daquela herança quase toda noção que desenvolvemos sobre o nosso passado. Enfocamos a história pregressa da humanidade a partir dos “olhos” do colonizador, por isso ainda hoje alguns teimam em utilizar, erroneamente, o Descobrimento (em maiúsculo) para definir a invasão do elemento europeu em nosso território. Livros didáticos pelo país afora ainda repetem esse grave erro histórico, invertendo a lógica interpretativa sobre o processo que nos fez brasileiros.

Primeiros habitantes, aqueles que foram batizados de índios (com esse ato padronizava-se forçosamente um conjunto diversificado de grupos humanos que habitava boa parte do território nacional) teriam nos legado muito mais do que hoje sabemos sobre eles. Ao longo da invasão colonialista, boa parte da cultura desses povos perdeu-se irrecuperavelmente. Hoje tratamos sobre as poucas “sobras” de uma cultura que fora riquíssima. Estamos aqui, dessa forma, para que esse pouco que sobrou não se perca totalmente, pois o confisco do nosso passado só serve para nos submeter a um “destino” histórico que nos foi imposto, num ato de barbárie daqueles que se diziam imbuídos de uma missão civilizatória. Os invasores aqui chegaram tão-somente para enriquecer, mesmo que a custa de milhões de vidas. E essas vidas, em larga medida, eram daqueles que poderiam ter dado outra orientação à nação que construímos; quem sabe mais fraterna, solidária e igualitária. Essa possibilidade histórica, no entanto, naufragou. Não deixemos, porém, que o que restou se perca no “esquecimento” dos nossos currículos. Não existe motivo para continuarmos a apresentar apenas a história do vencedor, pois esse enfoque teve um custo social que não devemos perpetuar.

Os primeiros habitantes do nosso território foram explorados em seu conhecimento das nossas terras e como mão-de-obra não paga. Posteriormente, os africanos que aqui adentravam por vias do tráfico internacional também eram reduzidos à escravidão, em um processo de “coisificação” cujas bases explicativas nos remetem a muitos cientistas da época, unânimes em argumentar que esses povos não possuíam alma. A ciência legitimava, assim, um perdão prévio àqueles que brutalizassem os “desalmados”. Quando nos posicionamos sobre a questão das cotas temos que tentar considerar os efeitos profundos que aqueles postulados científicos tiveram no desenvolvimento cultural de gerações dos “não dotados” de alma. Temos condições de nos colocar no lugar de tantas e tantas gerações desconsideradas do ponto de vista da humanização?

Violência: essa foi a marca do tratamento conferido aos nossos ancestrais. Ao longo de séculos (e hoje em dia como são tratados os descendentes dos índios e negros?), a agressão foi a regra. Hierarquizada a partir da cor da pele, da cultura, dos anseios e da religiosidade, a sociedade brasileira firmava-se com as bases profundas da desigualdade, o que até hoje parece ser a norma.

Como educadores, pretendemos explicar que a desigualdade é antinatural, pois é um produto da forma como percebemos e, por consequência, tratamos o outro. Refletir sobre a necessidade de fazermos valer as leis 10.639 e 11.645 faz com que pensemos no ato corriqueiro de humanidade ao tratarmos cada um dos nossos educandos. Ao sabermos um pouco mais sobre o nosso passado aprofundamos o nosso comprometimento com o futuro que construímos em nossa cotidianidade.


Vanderlei Genro – licenciado, bacharel e mestre em História. Diretor pedagógico da SMED, Sapucaia do Sul.



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