SAPUCAIA DO SUL/RS

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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

África aberta: a diversidade cultural do continente africano

Ouvir uma história de um sábio griot em terras africanas é um aprendizado demorado.

Ao contrário das curtas e velozes conversas do ambiente metropolitano, das breves mensagens de texto dos telefones celulares, a narrativa tradicional destes sábios africanos prolonga-se por horas (às vezes até por dias) antes mesmo de entrar no assunto principal.

Trata-se, antes de meramente comunicar uma mensagem, de estabelecer uma relação com o interlocutor, e isto ocorre, inicialmente, com uma apresentação da genealogia e do passado do falante. Não se entra diretamente no assunto, pois primeiro é preciso saber quem está falando, quem o acompanha em sua história, que linhas traçam suas intrincadas linhagens.

Esta atenção dos griots ao passado e à diversidade de povos não parece ser uma preocupação de grande parte da mídia brasileira. Estamos acostumados a ler sobre a “África” genérica, um continente uniforme e incolor, sem levar em consideração a verdadeira explosão de povos do continente.

Entretanto, algumas áreas de conhecimento, como por exemplo a antropologia e a lingüística, vem se debruçando justamente sobre a diversidade cultural e étnica do continente africano no intuito de produzir um conhecimento alinhado com as concepções africanas.

Com esta outra forma de se pensar sobre a África, ou melhor, sobre as Áfricas, podemos tentar traçar um mapa da sua diversidade.

Um ponto de partida seria pensar o panorama da africanidade com dois grandes referenciais culturais: o árabe-berbere e o negro-africano. Longe de estarem separados, são justamente as contribuições e trocas entre eles que produzem a simbiose-base enraizada nas sociedades africanas.

Estes dois referenciais são constituídos por complexos culturais abrangentes. Já os complexos culturais são, por sua vez, formados por áreas geográficas contíguas e por manifestações culturais análogas. Estas manifestações se estabelecem tradicionalmente e formam uma identidade comum.

Complexos culturais da África. Clique para ver a imagem maior.

Complexos culturais da África. Clique para ver a imagem maior.

Desta maneira, como veremos a seguir, os limites observados no mapa acima devem ser considerados fronteiras porosas, móveis.

O referencial árabe-berbere está representado no mapa pela área de influência do Império Pan-Árábico. A secular matriz cultural islâmica é a de maior influência neste complexo cultural, que também sorve das fontes de cultura do Mediterrâneo e da Europa.

Já o referencial negro-africano é mostrado no mapa pela soma dos complexos culturais do Cinturão Sudanês e do Mundo Banto. A África negro-africana caracteriza-se pelas constantes trocas entre eles.

Podemos estabelecer que os complexos culturais são formados por um conjunto de fatores que caracterizam uma certa unidade, uma identidade comum que não exclui as demais. Desta maneira, um complexo cultural seria formado por formas de artes e artesanato; por família de línguas; sistemas classificatórios da realidade; sistemas de parentesco, cosmologias e visões de mundo; filosofias; crenças e cultos; organizações políticas e territoriais; técnicas e modos de produção; entre outros.

Há algumas características do Mundo Banto que de forma geral podem se aplicar a todo o segmento negro-africano.
Nas sociedades pertencentes a este complexo cultural a palavra tem uma importância primordial. A palavra proferida está associada à força vital do falante, ou seja, algo dito tem o valor de algo feito. A própria criação do mundo é narrada como um sopro (mesmo movimento que o falar) da divindade para o homem. Daí decorre que as tradições orais são a forma corrente de transmissão do conhecimento nestas sociedades.
Além disso, no complexo banto a visão antropocêntrica é a que predomina, ou seja, o homem está no centro do mundo e é a razão de tudo o que existe e acontece. Por isso, mesmo a objetos inanimados são atribuídas condições humanas, como “doença” e “morte”.
Vale salientar também que a própria idéia de tempo é diferente na África negro-africana. O tempo não é linear como no mundo ocidental; sua forma mais se aproxima a um espiral, pois fatos do presente, passado e futuro se conjugam em uma mesma realidade. A explicação para um acontecimento do presente pode se encontrar em um fato do passado, já que o tempo se molda segundo as relações estabelecidas com os ancestrais e é percebido por meio de narrativas míticas.

Como vimos antes, os complexos culturais estão em constante relação, efetuando trocas, empréstimos e subversões. São marcados pela grande diversidade interna: a estimativa é de mais de 2 mil línguas e dialetos derivados em África. Se pudermos associar cada língüa a uma cultura, a heterogeneidade africana aumenta exponencialmente.

Se o primeiro mapa ainda mostra uma África um pouco genérica, um mapa lingüístico apresenta melhor esta noção da diversidade e convida a uma reflexão: de quais Áfricas estamos falando?

Mapa lingüístico da África. São mostradas as línguas e respectivos troncos lingüísticos. Clique para ver a imagem maior.
Mapa lingüístico da África. São mostradas as línguas e respectivos troncos lingüísticos. Clique para ver a imagem maior.

Leia mais sobre estes temas em: CICIBA – Centro Internacional de Civilização Bantu, CEA – Centro de Estudos Africanos da USP, Casa das Áfricas e Panapress.

Por Felipe Torres

fonte:http://africaemnos.com.br/wordpress/?p=298 Acessado em 01/10/2009

Um comentário:

  1. Senhora Simone, boa tarde,
    Seja bem vinda ao Blog Baobá; esperamos que aqui a senhora possa sempre encontrar informações interessantes a respeito de nossas matrizes culturais.
    Aproveito para autorizar a reprodução do meu texto no seu blog, mantidas a autoria e a fonte, mas pediríamos a gentileza de nos notificar com antecedência se quiser reproduzir mais algum de nossos textos, pois precisamos pedir autorização aos autores antes que eles possam ser divulgados em qualquer outro meio, certo?
    Agradecemos os elogios!
    Abraço,
    Felipe Torres

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