SAPUCAIA DO SUL/RS

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domingo, 11 de outubro de 2009

Quilombolas do Campinho: jogo e navegação online.


O intercâmbio digital entre as comunidades traz desenvolvimento local e a mobilização das populações por políticas públicas contra o desemprego e a perda da sua identidade cultural Carlos Minuano


Cozinha ao ar livre, de família quilombola


Para os moradores da Comunidade Quilombola Campinho da Independência, localizada no município de Paraty, no Rio de Janeiro, os problemas não são poucos. Entre os mais graves, o emprego escasso e a perda da identidade cultural. Ainda assim, a quilombola Aline Martins, de 18 anos, guia de turismo da comunidade, vê com otimismo o futuro, apostando em um novo aliado — a tecnologia — na dura tarefa de resgatar as tradições de seu povo.


Quilombola Aline navega
na internet, na sede da
associação ao lado do
atabaque usado nos jongos
O quilombo surgiu no século 19, pelas mãos de Antonica, Marcelina e Luiza. A elas, o dono da então Fazenda Independência entregou as terras, após a Abolição. E as três mulheres negras, lideranças comunitárias que trabalharam na casa-grande, reuniram no lugar ex-escravos da própria fazenda e escravos libertos das fazendas vizinhas. Atualmente, são cerca de cem famílias remanescentes dessa história. Subsistem principalmente da agricultura familiar, que era trabalhada em forma de mutirões, com o plantio de feijão, arroz, milho, e, principalmente, mandioca e cana-de-açúcar. Hoje, o artesanato representa também importante fonte de renda.

Diariamente, Aline apresenta sua comunidade e cultura aos diversos visitantes, turistas brasileiros e estrangeiros, além de estudantes e pesquisadores. Mas, apesar dos pés descalços da maioria e do ambiente rústico, o acesso ao quilombo hoje já pode ser feito também por outra via, a digital. Aline conta que há dois anos a comunidade passou a ter acesso à internet na Associação de Moradores do Campinho (Amoc), responsável, em grande parte, pelos esforços que resultaram na titulação definitiva da terra. E que, no final do ano passado, ganhou um telecentro comunitário.


Plantio atende famílias e o
recém-criado restaurante
comunitário
Com o telecentro, recursos como blog, Orkut, MSN começaram a fazer parte do cotidiano bucólico. Até então, o uso do computador era restrito à sede da associação, diz a garota, liberado no horário do almoço e nos finais do expediente, desde que acompanhado por um monitor. Para alívio de ambas as partes, o telecentro agora oferece dez computadores conectados à rede. Funciona dentro da escola, mantido com recursos da própria comunidade e conexão Gesac (programa do Ministério das Comunicações). Algumas máquinas foram doadas pelo Banco do Brasil e outras pela Associação Cairuçu, uma organização não-governamental, fundada em 2002, com o objetivo de promover a sustentabilidade sócio-ambiental da Área de Proteção Ambiental do Cairuçu, da qual faz parte o quilombo do Campinho.

Além do trabalho na associação, Aline participa das oficinas culturais que acontecem diariamente no galpão cultural — um amplo salão de estuque, localizado ao lado da sede da associação de moradores. “Minha preferida é a de jongo, mas tem também capoeira, percussão e artesanato”. Enquanto mostra o local, a garota anda com desenvoltura. E é difícil acompanhar seu ritmo pelo caminho, um percurso de duas horas, com direito a morros, lagos e outros trechos complicados.


Restaurante comunitário


Balaios, cestos e peneiras
fazem sucesso entre turistas
“Adoro morar aqui”, diz, ao mesmo tempo em que aponta os vários projetos em andamento, como o do restaurante comunitário inaugurado em dezembro. O empreendimento faz parte do Projeto Desenvolvimento Sustentável em Comunidades Remanescentes de Quilombo, uma parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Petrobras, Fundação Universidade de Brasília, Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, Sesi e Eletro Nuclear. Segundo a Amoc, que vai administrar o negócio, 25 mulheres estarão encarregadas de produzir as comidas típicas que serão servidas aos turistas, feitas com alimento adquirido de produtores locais. A expectativa é de que, indiretamente, sejam beneficiadas 450 pessoas.

Aline vê, nas iniciativas, oportunidades de desenvolvimento e de geração de emprego. “É triste sair da comunidade para trabalhar fora.” O antigo emprego de cozinheira, na praia de Trindade, não deixou saudades. “Lá, não sobrava tempo nem para ver a família”. Hoje, a guia turística ganha menos, mas não se importa, o mais importante, para ela, é a mudança de percepção quanto à própria realidade. “Acredito que a vida aqui pode melhorar muito”. No centro das transformações, a internet ocupa papel fundamental. “Antigamente, para falar com outros quilombos, só por telefone ou pessoalmente”. Aline assegura que, com o acesso à rede, a articulação dos vários projetos ficou bem mais simples. A coordenadora pedagógica da associação, Laura dos Santos, concorda. “Aqui dos cafundós do Rio podemos falar com qualquer outro lugar”. A demanda é cada vez maior, prossegue, difícil é atender a todos com poucos computadores. “Quando a gente larga, eles avançam”, diz.


Na rota dos Mocambos

O avanço tecnológico encontrado no quilombo carioca é a ressonância de uma iniciativa que começou pequena, na cidade de Campinas (SP), mas que cresceu e se espalha por todo país. A Rede Mocambos nasceu com o propósito de informatizar e conectar quilombos em todo o país. O pai da idéia foi Antonio Carlos dos Santos Silva, ou o TC – como é mais conhecido – um dos fundadores da Casa de Cultura Tainã, em Campinas, onde o projeto teve início, há cinco anos.

A idéia tem avançado, graças a convênios e parcerias com os ministérios da Cultura e das Comunicações (Gesac), Banco do Brasil, entre outros. Com uma kombi, seus integrantes atendem uma rede que hoje abarca cerca de 17 quilombos e 17 associações culturais de afrodescendentes. O objetivo, agora, é ir além da inclusão digital. Ou seja, segundo TC, “discutir com o governo políticas para o desenvolvimento dessas comunidades”.

Os mocambos eram os esconderijos onde se refugiavam os escravos em busca de liberdade. Depois, passou a denominar, assim como os quilombos, os aglomerados de casas que iam se espalhando. No caso da rede, fazer parte dela representa ter acesso a um refúgio mais amplo, o mundo digital. TC conhece bem a realidade dos quilombos, porque viveu entre eles, em Uberaba (MG). E destaca, nessas comunidades, a importância das experiências colaborativas. “É a cultura do compartilhar, todo mundo cuida de todo mundo”. Cita, por exemplo, o roçado coletivo. “Cada um tinha a sua roça, mas todos ajudavam e depois dividiam a produção”.

Das lições sobre colaboração mútua, brotou a idéia de reconectar as comunidades que guardam esses valores. Assim começou a rede Mocambos. “Muitos desses grupos remanescentes se encontram em situação de risco”, adverte. A expansão das áreas agrícolas, o crescimento da plantação de eucalipto, cana, soja, o avanço da extração de madeira e das atividades de mineração são alguns obstáculos que ainda precisam enfrentar.


Macaia Mulungo

Além do canal digital, a rede Mocambos colocou em circulação, em novembro passado, a primeira edição impressa do jornal “Macaia Mulungo” (Macaia era o nome africano dado aos terreiros onde se tocava tambor, e mulungo, a árvore que protegia o lugar). O pequeno tablóide é mais um meio de produzir conteúdo próprio a partir das ferramentas tecnológicas que estão sendo oferecidas. Todo o conteúdo foi feito coletivamente dentro de uma oficina em que foram recuperadas dezenas de computadores e em que aprendeu-se a montar transmissores de rádio. A rádio Mocambo já está a caminho.

www.taina.org.br


Território afrobrasileiro

Dados da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsável pela titulação das terras ocupadas pelos Remanescentes de Comunidades dos Quilombos, apontam 743 comunidades quilombolas oficialmente registradas pela Fundação Palmares, do MinC, e 252 processos de regularização fundiária em curso, envolvendo pelo menos 329 comunidades, em 21 estados. A Seppir estima pelo menos 3 mil dessas comunidades em todo território nacional. As informações são do site Observatório Quilombola.

www.koinonia.org.br



Amoc – tel.: 24 3371.4866
www.pr5.ufrj.br/cd_ibero/biblioteca_pdf/cultura/14_etno_extensao.pdf — “O Quilombo Campinho da Independência em Paraty-RJ: um caso de etno-extensão”, trabalho de Renata Alves dos Santos Aguilar, Cátia da Conceição Bento, Maria Joana Lima Valente do Valle, Everaldo Nunes Junior e Aloísio Jorge de Jesus Monteiro, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
FONTE:http://www.arede.inf.br/inclusao/edicoes-anteriores/90-%20/1333 Acessado em 11/10/2009

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