SAPUCAIA DO SUL/RS

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quinta-feira, 29 de abril de 2010

Contos africanos


A Gazela e o Caracol

Uma gazela encontrou um caracol e disse-lhe:
__ Tu, caracol, és incapaz de correr, só te arrastas pelo chão.
O caracol respondeu:
__ Vem cá no Domingo e verás!
O caracol arranjou cem papéis e em cada folha escreveu: «Quando vier a gazela e disser "caracol", tu respondes com estas palavras: "Eu sou o caracol"». Dividiu os papéis pelos seus amigos caracóis dizendo-lhes:
__ Leiam estes papéis para que saibam o que fazer quando a gazela vier.
No Domingo a gazela chegou à povoação e encontrou o caracol. Entretanto, este pedira aos seus amigos que se escondessem em todos os caminhos por onde ela passasse, e eles assim fizeram.
Quando a gazela chegou, disse:
__ Vamos correr, tu e eu, e tu vais ficar para trás!
O caracol meteu-se num arbusto, deixando a gazela correr.
Enquanto esta corria ia chamando:
__ Caracol!
E havia sempre um caracol que respondia:
__ Eu sou o caracol.
Mas nunca era o mesmo por causa das folhas de papel que foram distribuídas.
A gazela, por fim, acabou por se deitar, esgotada, morrendo com falta de ar. O caracol venceu, devido à esperteza de ter escrito cem papéis.

Comentário do narrador : «Como tu sabes escrever e nós não, nós cansamo-nos mas tu não. Nós nada sabemos!». Eduardo Medeiros (org.). Contos populares moçambicanos, 1997


Duas Mulheres

Havia duas mulheres amigas, uma que podia ter filhos __ e tinha muitos __ e a outra não.
Um dia, a mulher estéril foi a casa da amiga e convidou-a a visitá-la, dizendo:
__ Amiga, tenho muitas coisas novas em casa, venha vê-las!
__ Está bem __ concordou a outra.
De manhã cedo, a mulher que tinha muitos filhos foi visitar a amiga. Ao chegar a casa desta, chamou-a:
__ Amiga, minha amiga!
Trazia consigo um pano que a mulher estéril aceitou e guardou.
As duas amigas ficaram a conversar, tomando um chá que a dona da casa tinha preparado para as duas. Ao acabarem o chá, a dona da casa quis, então, mostrar à amiga as coisas que tinha comprado. Passaram para a sala e a mulher estéril abriu uma mala mostrando à amiga roupa, brincos, prata e outras coisas de valor.
No final da visita, a mulher que tinha muitos filhos agradeceu, dizendo:
__ Um dia há-de ir a minha casa ver a mala que eu arranjei.
E, um certo dia, a mulher que não tinha filhos, foi a casa da amiga. Mal a viram, os filhos desta gritaram:
__ A sua amiga está aqui!
Agradeceram a peneira que ela trazia na cabeça e guardaram-na. Começaram, então, a preparar o chá.
A mãe das crianças chamava-as uma a uma:
__ Fátima!
__ Mamã?
__ Põe o chá ao lume!
__ Mariamo!
__ Sim?
__ Vai partir lenha!
__ Anja!
__ Sim?
__ Vai ao poço
__ Muacisse!
__ Mamã?
__ Vai buscar açúcar!
__ Muhamede!
__ Sim?
__ Traz um copo!
__ Mariamo!
__ Vamos lá, despacha-te com o chá!
Assim que o chá ficou pronto, tomaram-no e conversaram todos um pouco.
Quando a amiga se ia embora, a mulher que tinha filhos disse:
__ Minha amiga, eu chamei-a para ver a mala que arranjei, mas a minha mala não tem roupa nem brincos! A mala que lhe queria mostrar são os meus filhos!
A mulher que não podia ter filhos ficou muito triste e, antes de chegar a casa, sentiu-se muito mal, com dores de cabeça e acabou por morrer.

Comentário do narrador: coisa não é coisa, coisa é pessoa!



Os Segredos da Nossa Casa

Certo dia, uma mulher estava na cozinha e, ao atiçar a fogueira, deixou cair cinza em cima do seu cão.
O cão queixou-se:
__ A senhora, por favor, não me queime!
Ela ficou muito espantada: um cão a falar! Até parecia mentira...
Assustada, resolveu bater-lhe com o pau com que mexia a comida. Mas o pau também falou:
__ O cão não me fez mal. Não quero bater-lhe!
A senhora já não sabia o que fazer e resolveu contar às vizinhas o que se tinha passado com o cão e o pau.
Mas, quando ia sair de casa a porta, com um ar zangado, avisou-a:
__ Não saias daqui e pensa no que aconteceu. Os segredos da nossa casa não devem ser espalhados pelos vizinhos.
A senhora percebeu o conselho da porta. Pensou que tudo começara porque tratara mal o seu cão. Então, pediu-lhe desculpa e repartiu o almoço com ele.

Comentário : é fundamental sabermos conviver uns com os outros, assegurar o respeito mútuo, embora às vezes seja difícil...

"Eu conto, tu contas, ele conta... Estórias africanas", org. de Aldónio Gomes, 1999


Todos dependem da boca...


Certo dia, a boca, com ar vaidoso, perguntou:
__Embora o corpo seja um só, qual é o órgão mais importante?
Os olhos responderam:
__ O órgão mais importante somos nós: observamos o que se passa e vemos as coisas.
__ Somos nós, porque ouvimos __ disseram os ouvidos.
__ Estão enganados. Nós é que somos mais importantes porque agarramos as coisas, disseram as mãos.
Mas o coração também tomou a palavra:
__ Então e eu? Eu é que sou importante: faço funcionar todo o corpo!
__ E eu trago em mim os alimentos! __ interveio a barriga.
__ Olha! Importante é aguentar todo o corpo como nós, as pernas, fazemos.
Estavam nisto quando a mulher trouxe a massa, chamando-os para comer. Então os olhos viram a massa, o coração emocionou-se, a barriga esperou ficar farta, os ouvidos escutavam, as mãos podiam tirar bocados, as pernas andaram... mas a boca recusou comer. E continuou a recusar.
Por isso, todos os outros órgãos começaram a ficar sem forças...
Então a boca voltou a perguntar:
__ Afinal qual é o órgão mais importante no corpo?
__ És tu boca, responderam todos em coro. Tu é o nosso rei!

Nota: todos nós somos importantes e, para viver, temos de aprender a colaborar uns com os outros...
"Eu conto, tu contas, ele conta... Estórias africanas", org. de Aldónio Gomes, 1999


Uma Idéia Tonta

Um dia a hiena recebeu convite para dois banquetes que se realizavam à mesma hora em duas povoações muito distantes uma da outra. Em qualquer festa era abatido um boi, carne que a hiena é especialmente gulosa.
__ Não há dúvida de que tenho de assistir aos dois banquetes, pois não quero desconsiderar os anfitriões. Também as oportunidades de comer carne de boi não são muitas... mas como hei de fazer, se as festas são em lugares tão distantes um do outro?
A hiena pensou, pensou... e, de repente, bateu com a mão na testa.
__ Descobri! Afinal é simples... __ disse ela, muito contente com a sua esperteza.
Saiu à pressa de casa. Assim que chegou ao local donde partiam os dois caminhos que levavam aos locais das festas, começou a andar pelo caminho que ficava do lado direito com a perna direita e pelo caminho que ficava do lado esquerdo, com a perna esquerda.
Pensava chegar deste modo a ambas as festas ao mesmo tempo. Mas começou a ficar admirada de lhe custar tanto caminhar dessa maneira. E fez tanto esforço, que se sentiu dividir em duas de alto a baixo.
Coitada, lá a levaram ao médico __ que a proibiu, desde logo, de comer carne de boi durante um mês.
É muito tonta a hiena!

"Eu conto, tu contas, ele conta... Estórias africanas", org. de Aldónio Gomes, 1999

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