Passados alguns dias do terremoto, paira no ar bem mais que a poeira e as moscas; sentimentos se misturam e nos colocam à prova a todo instante: medo, coragem, esperança, desolação, saudade, ansiedade, alegria. Perguntas povoam o pensamento e muito provavelmente resistirão por um longo tempo, mais tempo do que todo o escombro levará para ser removido.
O terremoto não fez desmoronar apenas edifícios, vidas e sonhos; não só rompeu laços e desfez estruturas de vida que levaram anos para serem edificadas, mas evidenciou a necessidade de repensarmos a nossa própria maneira de viver, principalmente de agir uns com os outros. Nos ofereceu uma preciosa oportunidade para refletir sobre alguns aspectos de nossas vidas e sobre o próprio sentido da palavra humanidade.
Certeza que tenho, é que existe uma razão para tudo que aconteceu, para que cada um de nós estivesse aqui. Sigo acreditando que nada acontece por acaso. E se ainda não temos a permissão de entender o porque de todas as coisas, resta-nos refletir e tentar extrair o máximo de aprendizagem possível; um exercício que não deve ser feito com pressa, apesar da urgência; que não deve ser movido pela necessidade de encontrar verdades, pois elas podem ser tão frágeis quanto muitas estruras se mostraram ser.
É este exercício que farei agora. E se existem lições, e acredito que existam, cabe a cada um encontrar aquela que melhor atenda às suas necessidades e aspirações.
A primeira lição que pude extrair- a primeira que me veio à mente após conseguir me ordenar emocionalmente - é sobre a brevidade da existência. Vivemos como se ela fosse durar para sempre, como se nós e todos aqueles que amamos fossem estar conosco, fisicamente, sem que pudessem nos deixar um dia. Enquanto que a existência é como um tênue fio, que pode romper-se quando menos esperamos; como uma pipa outrora suspensa no ar, e que sem aviso “estanca” quando a linha se rompe de um sopetão. Ficando também o desejo de sair correndo para recuperá-la, para tê-la novamente conosco, ocupando o seu pequeno e precioso espaço em nosso céu particular.
A segunda, é a de que precisamos, urgentemente, retomar a nossa relação com a natureza. Apesar de ser um filme, realmente me inspirou Avatar. Ainda que tantos outros tenham nos chamado a atenção para a mesma necessidade, de nos convidarem a refletir sobre a nossa ação na natureza, oferecendo-nos a oportunidade de mudar o nosso olhar e a nossa relação com a mãe terra, esta produção em especial falou-me muito ao coração. Sempre achei que perdemos tempo demais reproduzindo as nossas agrúras e multiplicando os nossos medos; tempo demais nos alimentando de guerra, violência, terror, quando já os temos em quantidade suficiente pelo mundo. No caso de Avatar, posso dizer que senti uma forte carga de espiritualidade nele, de esperança. Pude ver gerações compartilhando o mesmo sentimento, que se ainda não sei como definir em palavras, sinto que chega muito perto da palavra renovação.
A terceira, é que o tempo do homem parece não diferenciar apenas em fusos, mas variar de acordo com a necessidade. Para quem está sentindo dor, o socorro parece ser mais urgente do que para qualquer outra pessoa, ainda aquele que esteja empenhado em aplacar o sofrimento. Após esta experiência, compreendi perfeitamente [acho que posso correr o risco de dizer isso] a essência das palavras do Betinho: Quem tem fome, tem pressa. Quem tem fome, quem tem dor, quem está em desespero, quem perdeu tudo, quem houve um filho chorar de dor, quem se vê impossibilitado de socorrer alguém que se encontra vivo sobre os escombros implorando socorro. Essa lição fez-me perceber que o tempo do homem depende da esfera, ou nível de envolvimento de cada um.
A quarta lição, é influenciada pela anterior. Pessoas que estão envolvidas, bem de perto muitas das vezes, mas que lamentavelmente, dolorosamente, empenham a inteligência e meios para saciar a sua ganância. E enxergam no sofrimento apenas uma oportunidade para colher seu quinhão. Se muito ou pouco, se arracam dos dedos inertes os anéis que sempre ficam; se forçam com madeiras e ferros a abertura das bocas que outrora rezavam à procura de vil metal; se chegam ao extremo de enxergar na infância a matéria prima para traficar as suas abomináveis necessidades... Ainda assim, cada um deles carrega consigo valores mais pútridos do que o odor que exala dos escombros.
A quinta, é do quanto corremos riscos quando nos preocupamos em “ser”. Tomamos muito tempo nos preparando para isso, e neste caminho nos sentimos por vezes ameaçados, seja naquilo em que temos como nossas certezas, seja naquilo que julgamos serem nossas necessidades. Muitas vezes vestimos uma armadura tão pesada, empunhamos tantas armas, que mal podemos estender a mão para um cumprimento. Nos preocupamos em carregar tantas coisas que tornamos nossos passos mais lentos e a viagem mais longa. Quando a melhor maneira de “ser”, é ser com os outros. Que apenas assim, com os outros, conseguiremos forjar a nossa mais forte armadura e armas. Que apenas na companhia de outros a viagem é mais segura e menos cansativa.
A sexta lição é que, ainda que as necessidades irrompam em nós o desejo de ser útil em todas as áreas, devemos ter bastante claro os nossos limites. Principalmente, quando a situação é bem maior do que nós e a solução parece estar acima das nossas possibilidades. Sem dúvida, um sentimento de incapacidade nos invade, de desolação e muitas vezes de culpa. No entanto, devemos nos esforçar para oferecer o que de melhor há em nós, e reforçar-mos sempre em nosso espírito a certeza de que estamos fazendo o melhor.
A sétima lição, é que talvez pela primeira vez na história inúmeras bandeiras se unem para ajudar um povo. Posso estar errado, pois não falo como especialista. Independente disso, é realmente emocionante assistir tantos seres humanos juntos trabalhando para minimizar o sofrimento de seus irmãos. O que me traz a certeza ainda maior de que não há bandeiras, não há diferenças, nem sequer fronteiras quando a nacionalidade passa a ser uma apenas: a humanidade.
A oitava, trata da força que encontramos na simplicidade de uma criança. É surpreendente como elas estão sempre nos ensinando, e a todo instante nos dando um exemplo de esperança. Esperança que, assim como elas, não pára quieta, se renova sempre. E assim que deve ser. Poder partilhar com elas desse momento é sem sombra de dúvidas uma dádiva. É um trabalho duro, que exige muito de cada um de nós. Mas, não tenho dúvidas de que recebemos bem mais do que oferecemos. Cada olhar, cada abraço, cada sorriso. Elas chegam em bando, penduram-se em nossos braços, mãos, nos agarram pelas roupas. Elas, verdadeiramente, são a nossa segurança e a nossa fortaleza. Com elas somos grandes e sonhamos alto. E por elas, principalmente, seguimos em frente.
FONTE:http://flaviosaudade.wordpress.com/2010/02/02/que-licoes-podemos-tirar-da-tragedia-que-abalou-o-haiti/#respond ACESSADO EM 17/03/2010
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